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Professores em luta também estão a ensinar

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Ciclos

 A árvore cresceu, deu fruto e morreu. O fruto amadureceu caiu e apodreceu. A semente enterrou escondeu-se e adormeceu. E o tempo passou o mundo continuou. O amor chegou e passou O ódio passou e chegou. O sol morreu e nasceu A lua não saiu do céu. A semente acordou com dor despertou Rompeu a terra e cresceu. Este chão é o meu. |susanasilva|

estava tudo tão quieto

Estava tudo tão quieto menos o meu coração que batia acelerado. A minha respiração descompassada fazia antever o momento final que surgiria como o momento alto de um filme que já fizera rodar vezes sem conta na minha cabeça. O silêncio da noite escondia o medo que corria nas minhas veias, ouviam lá ao longe as bombas sem cessar e eu naquele barco, escuro como breu, sentia a mão da minha mãe que me apertava até doer. Mas estava bem assim. Cada segundo parecia demorar horas e agora uma chuva miudinha escorria pelos nossos cabelos e misturava-se na nossa pele retirando dela o pó daquela terra, que era a minha, e que agora deixava, em angústia, para trás. Ao longe viam-se umas luzinhas muito ténues que pareciam multiplicadas pela chuva que caía e que, a mim, me pareciam as estrelas que observava do telescópio que tinha no meu terraço, ao colo do meu pai que trazia para casa o trabalho de astrónomo. O meu pai… que num dia saiu do abrigo para ir buscar comida e nunca mais voltou. Q

Sonho

Na incessante correria dos dias deixámos de sonhar, os sonhos que tínhamos enquanto crianças e jovens e que nos faziam voar por entre as montanhas do medo e da angústia perderam-se e, hoje, esquecemo-nos de sonhar, já não sabemos sonhar. Temos em nós sonhos que não nos atrevemos a sonhar assoberbados pelas tarefas do dia a dia ou letárgicos na monotonia de outros. Deixamos para trás os nossos sonhos justificando, a nós próprios, que são inatingíveis e nos fariam gastar tempo e recursos tendo por base a velha máxima “quanto maior o sonho maior a queda”. Impomos à nossa vida o peso da seriedade que não permite a leveza do sonho… e tornamo-nos pele, ossos e músculos robotizados. Mas pode ser hoje o dia, em que, olhando sem medo para dentro encontremos o nosso velho sonho e frente a frente com ele deixemo-nos acreditar. Acreditar que sonhar faz parte da vida, que sonhar também é viver e que quanto maior o sonho maior a nossa resiliência para o perseguir. E que um sonho faz-se, ta

esta balada que te dou

Esta balada que te dou, cantada, bem baixinho ao ouvido, fala-te do quanto me fizeste sorrir, das lágrimas de felicidade que contei a teu lado. Lembras-te das caminhadas que fizemos na serra, dos domingos enrolados no sofá a ver filmes tontos, das vezes que te lia as histórias que mais gostavas e tu sorrias, porque me amavas? São lágrimas de saudade que rolam pelo meu rosto, ainda estás aqui, mas eu sei que vais partir. É a hora e o momento. Corre como corríamos pela praia sentindo a areia molhada e a água num vaivém. Vai meu bem. Vai… em breve irei ter contigo.   Agora que partiste, partiu contigo a minha balada e o meu coração dilacerado grita sem proferir nenhum som. As lágrimas de felicidade dão lugar a torrentes de lágrimas de desespero, como poderei viver sem ti? Quero partir contigo. Quero angustiar-me até não mais aguentar e a morte me levar, contigo.

a casa de bonecas

Dlim, dlão… A campainha da porta tocou e uns ouviram-se uns passinhos aproximarem-se. A porta abriu-se e a pequena figura surgiu com dois totós no alto da cabeça e lábios pintados, sardas no rosto e pestanas grossas e grandes. Uma saia de peito muito rodada onde se poderiam descobrir pelo menos três camadas de tecido, e uma camisola com mangas em balão. ― O que deseja? ― inquiriu com voz aguda que contrastava com o ar envelhecido e curvado do corpo que a libertava. ―É hora de almoço Dona Mimi. ― disse com paciência a Lurdes ― É menina Mimi. ―afirmou com aspereza ― hoje almoço em casa. ― Almoça em casa como, Mimi? ― Ora, vou ali à minha cozinha e preparo alguma coisa. Hoje não quero sair de casa. ― afirmou perentoriamente. E prosseguiu chamando a amiga com quem partilhava o espaço ― Tatá, já fizeste a sopa? De lá de dentro uma voz grave que se esforçava por ser mais aguda responde: ― já está pronta a sopa e a mesa posta. Lurdes colocou a mão na testa contendo uma g

A cavalo dado

Mesmo que a cavalo dado, nem tudo o que reluz é ouro. E não fosse o pássaro na mão a galinha enchia o papo. Depois o gato escaldado morreu de velho, porque quem tem olho é rei, mesmo que seja quem ri por último. Certo é que uma mão lava a outra e nenhuma atira pedras ao vizinho, apesar de ser tempo de guerra e o mal vir a caminho. No final, mais vale quem Deus ajuda do que quem conta um conto e depois quem fala muito põe o rebanho a perder e se vem o pastor põe-lhe uma vara na mão e vê se os outros baixam as orelhas. Para terminar, diz o roto ao nu que a galinha da vizinha é boa cozinheira, mas morreu solteira, porque a justiça tarda e a chuva fica até que fura. Disse-me que quem tudo quer não se recolhe depois de deitada e lava-se em casa, nem faz orelhas moucas às vozes de burro. Mas águas passadas e tudo fica bem porque ao bêbado e ao tolo põe-lhe Deus a mão por baixo.

meias no chão

A feira acabou E as meias ficaram no chão. M oradores hostis os deste largo E m alvoroço por um par de meias. I sso seria caso de jornal, A gora que tudo se ausentou. S eguiram presos pela polícia N os carros da patrulha, O que diziam é impronunciável. C alavam palavras bonitas, H á horas aflitas A quilo foi uma pancadaria. O ra agora, porque seria?

O sol nasceu

Aqui estou, deitado sobre este capim iluminado por um céu estrelado que admiro como se fosse a última vez. Talvez seja mesmo. A roupa encardida e ainda molhada colada ao corpo é o meu abrigo e a minha proteção nesta noite escura. A lua ausentou-se e permitiu um silêncio que consigo sentir, embora nos meus ouvidos este latejante zumbido que me faz temer até a leve brisa que faz dançar a mais fina erva. Inspiro profundamente e sinto o ar morno a entrar pelos meus pulmões o coração parece desacelerar e eu sinto-me em paz. Que vida feliz que vivi. Vou sentir a tua falta Amália, e dos teus fados chorados. Leve vento entrega este beijo que te dou colando-o ao rosto da minha mãe, ela vai saber. A manhã está para chegar e o meu destino prestes a mudar. Peço a Deus que tenha compaixão de mim, antes a morte que a captura. Lá vem ele, é o sol, porque não se demora? A noite que me protegia terminou, ouço já os passos que me procuram e sinto, encostado aos olhos, o cano que me ceifará

a fonte

A fonte secou E nada mais brilhou. Ficou a nascente sem parir E até a foz deixou de existir. No leito jazem os peixes moribundos E as algas encorrilham como seres de outros mundos. O sol torna as pedras do rio ardentes E na margem, bebedouros secos e vidas ausentes. Oh pérfida vontade de tudo teres e de em tudo estares Oh eterno poder que desejas ter sem querer Inundas o coração de tudo com a escuridão que de ti emana E tudo arde até se extinguir num ocaso silencioso, o fim. E tu… pacientemente vês a ruína que causaste De cigarro na boca, sentado na rocha Enquanto tudo sucumbe… E a fonte secou. E tudo morreu. E o tu sou eu.