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Do livro "Ao som dos tambores"


"O primeiro sentimento, pelo vazio à sua volta, foi de estranheza. Tentou recordar-se de tudo, desde que se tinha levantado e não se lembrava, de facto, de ver ninguém. Não ouviu a carrinha do infantário que todos os dias passava à porta do seu prédio a apitar, sinal para os pais descerem com os filhos, quando foi para a paragem de autocarro não se recorda de nenhum carro, e, na paragem esteve sempre sozinho, dado que o autocarro também não apareceu. Os telefonemas não atendidos da mãe, da avó… A estranheza começou a dar lugar ao medo, que se apoderou de tal modo de Gil que este correu novamente para sua casa. Ao entrar no prédio chamou o elevador, mas teve receio de entrar, pelo que correu pelas escadas acima e só parou quando bateu a porta de sua casa. Não sabia o que fazer. Tudo aquilo parecia um pesadelo, só lhe restava esperar para acordar.
Ligou a televisão para ver se alguma notícia conseguia explicar o que estaria a acontecer. Enquanto isso tentou ligar novamente para a mãe, mas não obteve resposta. Lembrou-se do pai, como estava noutro país poderia ser que tivesse mais sorte. O pai não atendeu, a televisão apesar de ligada, também não emitia qualquer som ou imagem. Tentou ver se algum cabo desligado estaria a comprometer a recepção de imagem e som, mas estava tudo bem. Tudo isto apenas aumentava a sua ansiedade.
Correu para o escritório, e ligou o computador para ver se tinha acesso à internet. E a verdade é que aqui tudo estava a funcionar na perfeição, foi ao seu email, entrou no facebook viu as últimas atualizações, procurou em alguns sites de jornais e notícias alguma coisa que o ajudasse a perceber o que estava a acontecer. As notícias referiam-se essencialmente à crise, a algumas tomadas de decisão do governo criticadas por todos, às equipas de futebol, mas nada relativo à situação que ele vivenciava. Lembrou-se de visitar também alguns sites internacionais, apenas se lembrava da cnn, pesquisou no Google, entrou no site, mas também não encontrou nada que se relacionasse com o que procurava. Deixou-se cair na cadeira. Aquilo parecia um filme, não poderia estar a acontecer, não poderia ser real. Não conseguia ter um pensamento linear, não conseguia encontrar explicações nem sequer colocar qualquer hipótese para o que estava a passar. Só poderia ser um pesadelo, e que pesadelo. Mas a verdade é que não conseguia acordar.
Levantando-se da cadeira dirigiu-se às janelas da frente, a maior parte das janelas tinha os estores fechados, viam-se alguns carros estacionados, as lojas e cafés ainda fechados, nem um carro, nem uma pessoa…E ali ficou, com o telemóvel bem seguro na mão a olhar para fora, para aquele aparente vazio de vida. Pela sua cabeça passavam mil e uma ideias, até que pela sua face rolaram grandes gotas de água salgada. Gil sentia-se completamente desesperado. Deixou-se cair até se sentar no chão, com a cabeça encostada à lateral da janela, onde permaneceu imenso tempo, tentando sem sucesso ligar para o número de emergência, para a mãe, para o pai e para a avó. A dada altura tentou ligar para todos os números da sua lista de contactos, mas em nenhum foi atendido.
Gil ficou junto daquela janela durante muito tempo, a tentar organizar as ideias para compreender o que se passava e para programar o que fazer. Não lhe parecia haver muito a fazer.
«Como é que é possível?». "

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