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Mensagens

A mostrar mensagens de fevereiro, 2018

em tempo de guerra

Inúteis mãos que nada fazeis. Inúteis palavras que de nada valeis. A dor que dilacera a carne que não é minha, desfaz o ser que sou. Pés que não vos pondes a caminho. Vozes que calam. Silêncios prolongados. Enquanto a humanidade se destrói por dentro, desgastada, estilhaçada, calada. Gritai ó povos, gritai. Levantai-vos das cadeiras, levantais as vossas vozes. Uni-as e gritai. Não deixeis que a guerra continue a dilacerar os nossos corações. Não fecheis os olhos às imagens que não quereis ver. São rostos que choram. Podia ser o meu ou o teu. Amarrados, enjaulados, mortos e abandonados. Sou eu e tu que morre em cada um deles. As palavras e as imagens que passamos à frente em publicações que não queremos ver. Vivendo num mundo imaginário, mas irreal e desumano. Dai as mãos e abri o coração. Chorai as lágrimas que são de todos. Reparti as vossas capas, agitai as bandeiras do entendimento, apregoai a equidade e a paz. Sem espadas, enchei o vosso alforge de perdão, paciência

É a hora

Foi a altura certa para dissipar o nevoeiro, sem o saberem, tinha chegado a hora. Aquela que tanto ansiaram, de que tanto se profetizou, agora acontecia. Tudo à sua volta estava encoberto por um nevoeiro negro que adensava o medo espalhado pelo terror que nos últimos tempos vagueava, como alma penada, pela sua querida Europa e pelo mundo. Na total escuridão seguiam lado a lado sem se verem, apenas escutando a silenciosa respiração do mais próximo. Ao longe ouviam-se as explosões os seus olhos abriam-se mais para tentar ver o que a penumbra escondia. Subitamente uma voz se fez ouvir, como um trovão, bem próximo dos seus ouvidos: - Esta é a hora! A história vai ser reescrita. Eu voltei para, convosco elevarmos as mãos, dadas, oferecidas uns aos outros nesta união que nada destroçará. À medida que esta voz forte se fazia ouvir, o nevoeiro negro embranquecia, mantendo-se denso, permitia, agora, vermos a sombra dos nossos companheiros. Éramos tantos no campo de batalha que nos

Destino

“ O destino, isso a que damos o nome de destino, como todas as coisas deste mundo, não conhece a linha recta.” Saramago Não conhece equações, nem fractais embora se embeleze da mesma perfeição, ou do que julgamos ser perfeito, e que trilha o nosso caminho com pegadas mais pesadas que as nossas. Um fado triste cantarolado por uma voz rouca e desafinada que se perde por entre as linhas que se cruzam e entortam de cada vez que tine a guitarra. O destino não conhece linhas, nem as tortas por onde se escreve direito, nem as direitas por onde se encaminha torto. É como o canto dissonante desta fadista que regouga ao meu ouvido, desconhecendo as cinco linhas perfeitamente paralelas que contêm toda a música. Assim é o destino. (In)destinado, frequentemente esganiçado. ---- Texto: Susana Silva Imagem: Pixabay

reencontro

O ra deixa cá ver… Não sabia que aquela vinha… como está diferente. Os olhos esfumados, as pernas tortas e gorda como nunca a vi. Aquele está velho como a terra, careca e de bigode arrebitado. As pessoas são mesmo sem noção. Deixa-me ficar aqui sossegado a beber o meu copo de vinho enquanto reparo em mais uns quantos artolas que por aqui estão… Adoro estes reencontros de escola. Ah… aquela sim, parece-me bem. Muito melhor do que o que estava no secundário. Envelhecer fez-lhe bem, ou então foi o divórcio. Sempre ouvi dizer que faz bem às mulheres. Aqui está a prova. Subiu a saia e baixou o decote. Disto eu gosto. Boazona. Oh! O que é que me caiu na cabeça, não acredito!! Que porcaria é esta? Agora molhou-me o cabelo, raiz parta, ainda vai ficar verde como da outra vez. Deixa-me lá sair de mansinho, antes que esta nojeira se note. - Olé!! Olha o Aníbal também cá está? Não me digas que já vais embora? Mas o que raio quer este palerma agora? - Não… vou só ali fumar um cigarro.

dois sentidos

Está escuro. Sinto um imenso medo dentro de mim… O corpo paralisado bloqueia-me a alma. As feridas fecharam, mas ficaram as cicatrizes. São aquilo que fui, são menos do que sou. Agora, afastando-me dos meus caminhos Fecho-me neste casulo Metamorfoseando-me, neste silêncio que se faz. Enquanto ouço a canção de embalar Abro as asas, pesarosas e... Lanço-me ao vento, num voo desconhecido. Vejo-te ao longe e… Ainda sonho alcançar-te. És meu. És o meu amor. Encontro-te e encontro-me. Entrego-me sem demora Ao sentir o teu doce beijo. Aquece-me o corpo, imortaliza-me a alma Sinto a ousadia dentro de mim. Faz-se luz. Instruções : ler de cima para baixo e/ou no sentido oposto - --- Texto: Susana Silva Imagem: pixabay

O melhor está para vir, o livro IV

"A tua alegria era tal que ninguém ao teu lado estava triste. Davas força a todos, apenas com o teu sorriso. Sempre acreditaste que tudo ia correr bem, e fizeste-me acreditar. Entretanto começaste os teus tratamentos e continuavas a ir várias vezes por semana ao hospital. Havia dias que vinhas mais murcha, que chegavas e o teu sorriso era parco. Nesses dias enroscavas-te no sofá e eu ao teu lado, sentada no chão, fazia-te festinhas na mão, sem nada dizer. Mas noutros dias vinhas feliz e falavas-me de médicos e enfermeiros de encantar, de narizes vermelhos, músicas e cores. Nesse castelo de encantar que descrevias conheceras muitos meninos como tu. Príncipes e princesas. Carecas, com sorrisos rasgados e olhos brilhantes."

O melhor está para vir, o livro III

" - Anita, vamos ver a Amália, que já está em casa. Saltei do sofá com a frase da minha mãe. Já tinham passado tantos dias, que já não os conseguia contar, desde a última vez que estivemos juntas. Estava cheia de saudades. Estava pronta, à porta, num minuto. Caía uma chuva forte, e estava frio, embora a primavera já tivesse chegado, tinha-se afastado sorrateiramente. A minha mãe pegou num guarda-chuva branco que abriu para mim e noutro preto para ela, e seguimos pela rua até chegar à tua casa. O meu coração parecia que ia saltar pela boca tal era o meu entusiasmo. Quando cheguei a tua casa tive de lavar as mãos muito bem, por indicação da tua mãe. Tu estavas no sofá da tua enorme sala. Sentada. Aproximei-me de ti, lentamente, parecias estar a dormir. As nossas mães estavam logo atrás a falar muito baixinho. Sentindo que eu me aproximava levantaste o rosto para mim e sorriste: - Anita… A tua voz era frágil, e o teu rosto muito magro. Os olhos pareciam saltar-te da fac

O melhor está para vir, o livro II

" Ao jantar perguntei finalmente à minha mãe: - Porque é que a Amália vai para o hospital? A minha mãe fez um esforço para me explicar da melhor forma possível para o meu entendimento da altura: - Ela tem um bichinho mau dentro dela e tem que o tirar. - fez algum tempo de silêncio, até continuar - É um bocadinho perigoso, mas ela é forte. E tu tens de ser forte por ela. Deves rezar por ela e pelos pais dela. - Se é a Amália que está doente, porque é que tenho de rezar pelos pais dela? - perguntei, mas não obtive resposta. Comi então, em silêncio. Depois de levantar a mesa, fui para o quarto. Queria chegar lá antes da minha mãe. Precisava de ter uma conversa, em privado. Fui direita à cómoda e tirei o cruxifixo que lá estava. Ajoelhei-me ali, no chão, com aquela cruz na mão, benzi-me e comecei a minha conversa: - Olá Deus, sou eu a Anita. Hoje quero pedir-te que cuides da minha amiga Amália. Ela foi para o hospital para lhe tirarem um bichinho que ela tem de

O melhor está para vir, o livro I

"   Na manhã seguinte acordámos e tu só querias ir para a piscina, mas a tua mãe não deixou porque não te podias cansar. Eu achava um exagero. Tu estavas bem. Estavas perfeita como sempre. O almoço foi especial. A tua avó esteve connosco. Deu-te muitos mimos, beijinhos e colo mas não falou muito. A minha mãe chegou logo a seguir ao fim da refeição, enquanto eu ainda ajudava a dona Rita a levantar os pratos da mesa, apesar da sua insistência para que não o fizesse. - Agora temos de ir, Anita. - disse-me a minha mãe - A Amália já vai sair. - Oh… fica mais um bocadinho, por favor – disse a Amália. A dona Rita aproximou-se e envolveu-te nos seus doces braços de mãe: - Agora temos de ir para o hospital. Afinal era verdade. A Amália estava muito doente. Eu só tinha ido ao hospital quando parti um braço e quando o Chico me acertou com uma pedra na testa, abrindo um rasgo na minha cabeça. Mas tu estavas bem. Eu estava a ver. - Mas a Amália não está doente. - disse e

Então é amor...

Se te faz estremecer Se te faz sorrir Se te faz melhor Se te faz querer Se te faz fazer Se te faz ser.   Então é amor. Se consegue dar brilho aos teus dias Se chora contigo as tuas lágrimas Se ri das tuas gargalhadas Se corre por ti Se para por ti Então é amor. Se te faz sonhar Se te faz lutar se te faz acreditar Então é amor. E se não for amor para a vida toda que seja a vida toda para o amor. ----- Texto: Susana Silva Imagem: pixabay

Para a vida toda

Quando chegaste abriste a porta. Fazia frio. Sabes que às vezes ainda se faz frio? Mas aqui ficou mais quente. Correste as cortinas, abriste as janelas e tudo ficou mais quente. Sim, eu lembro-me que era um dia frio, como eu. Aliás, era um dia gelado. Como eu. Mas ficou mais quente… ficou como eu. Quando tu chegaste nada me disseste. Sorriste e entraste. Não, não estou a falar da porta. Chegaste à minha vida, que não tinha portas, nem janelas, pensava eu, apenas um muro a cercá-la. Ainda assim, tu entraste e chegaste. Quando tu chegaste deste-me um abraço. Oh, não te lembras?!? Abraçaste toda a minha existência, abraçaste a minha energia, abraçaste o meu mundo. Haverá melhor forma de chegar à vida de alguém do que a dar um abraço? Poderias ter entrado na minha vida, sem nunca lá ter chegado. Mas chegaste e como tal, permaneceste. Deste entrada e conseguiste atingir-me certeiramente. Alcançaste todo o meu ser. Ao chegar permaneces neste prolongamento de mim, tocaste-me com a l

É carnaval, ninguém nos leva a mal