"- Anita, vamos ver a Amália, que já está em casa.
Saltei do sofá com a frase
da minha mãe. Já tinham passado tantos dias, que já não os conseguia contar,
desde a última vez que estivemos juntas. Estava cheia de saudades. Estava
pronta, à porta, num minuto. Caía uma chuva forte, e estava frio, embora a
primavera já tivesse chegado, tinha-se afastado sorrateiramente. A minha mãe
pegou num guarda-chuva branco que abriu para mim e noutro preto para ela, e
seguimos pela rua até chegar à tua casa. O meu coração parecia que ia saltar
pela boca tal era o meu entusiasmo.
Quando cheguei a tua casa
tive de lavar as mãos muito bem, por indicação da tua mãe. Tu estavas no sofá
da tua enorme sala. Sentada. Aproximei-me de ti, lentamente, parecias estar a
dormir. As nossas mães estavam logo atrás a falar muito baixinho. Sentindo que
eu me aproximava levantaste o rosto para mim e sorriste:
-
Anita…
A tua voz era frágil, e o
teu rosto muito magro. Os olhos pareciam saltar-te da face e a tua boca e nariz
estavam tapados por uma máscara. Parei pois, devo confessar-te, assustei-me um
pouco. Tu baixaste os olhos ciente da tua nova condição. Mas eu, encorajada
pela força do amor, aproximei-me e sentei-me ao teu lado:
-
Como estás, Amália?
Senti que sorrias por baixo
daquela máscara.
-
Melhor, agora que estás aqui.
As nossas mães deixaram-nos
sós na sala, não sem antes me avisarem que não te podias cansar.
-
Posso dar-te a mão? - perguntei
a medo.
Tu acenaste com a cabeça e
estendeste a tua mão que eu agarrei com delicadeza. Contaste-me como tinham
sido os teus dias. A operação que não te tinha deixado cicatrizes, pois foi a laser,
fosse lá isso o que fosse. Eu ouvia-te fascinada a contares que te tinham
tirado umas células, pelo nariz, que eu supus serem o bichinho mau que a minha
mãe falou. Parecias uma adulta a falar. Contaste que havia lá no hospital
outros meninos, como tu.
- Eu
rezei todos os dias por ti. -
disse-te eu.
Tu sorriste, novamente, por
baixo da máscara. Estavas já cansada, e notava-se a falar.
- E
agora já passou? - Perguntei.
-
Ainda não. Ainda tenho de fazer muitos tratamentos. Mas as pessoas são muito
minhas amigas e divertidas. Custa menos assim.
Eu já não sabia o que te
dizer. Podia contar-te as coisas da escola, mas pensei que não quisesses saber.
Eu não te podia cansar. Por isso fiquei calada, a ver o filme que estavas a ver
antes de eu chegar. Acabaste por adormecer. E eu fiquei ali a segurar a tua
mão. Parecias tão frágil agora. Ouvi os passos e as vozes das nossas mães a
chegarem e fiz de conta que também estava a dormir, na esperança de que me
deixassem ficar ali mais um bocadinho."
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