Benditos
sois vós meus amores, que soltais uma gargalhada fresca que aquece este vento
que nos corta a pele. A sombra que cobria os vossos olhos esmoreceu, embora vos
sinta em sobressalto aquando de qualquer barulho repentino. Tudo é assustador,
também para mim. Duvido muitas vezes da minha opção de nos lançarmos nesta
viagem, nesta peregrinação que não sabemos onde terminará. Os vossos sorrisos,
medrosos, ainda assim, valem a pena. Por vós tudo. Fugimos do país que era o
nosso, das nossas vidas, deixámos tudo para trás, perdemos o vosso pai nesta
inimaginária viagem.
“Sim,
estou feliz” respondo com um falso vigo na voz, quando, finalmente em terra, me
perguntastes, do alto dos vossos três anos “Mamã, estás feliz?”. Iremos ficar.
Iremos ser. E a vossa brincadeira com a única bagagem que transportastes toda
esta viagem, um urso amarelo e uma girafa, já castanha de tão suja, dão
normalidade a este campo onde nos colocaram e mantêm. Como presos. Sim, somos
felizes, porque nos afastamos das bombas, mas afastamo-nos da morte? Sorrio
para vós, sois a minha força e o meu alento. As únicas.
Não
consigo conter as lágrimas ao ouvir-vos conversar, num silêncio maduro que
aprendestes duramente durante a guerra e a nossa viagem, sobre o futuro, nas
vossas mãos. “Vamos tomar banho, que estamos muito sujos, sim? Tem que ser
querida pintas, tem que ser… depois vou-te construir uma casa, com jardim e
flores. Vais para a escola, enquanto a mamã vai trabalhar e quando chegares
dou-te beijinhos e muitos miminhos.” E era só isso. A vossa brincadeira
significa tudo. A normalidade que nos foi roubada, a qual procuramos
desesperadamente. A esperança. O amor. É tudo o que temos.
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Texto: Susana Silva
Imagem: pixabay
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