São seis da manhã quando o despertador toca. Quase nem
consigo abrir os olhos, mas a esforço levanto-me da cama. Aqueço uma chávena de
café com leite e faço uma torrada, que vou comendo enquanto estendo a roupa que
a máquina acabou de lavar. Aqueço o meu almoço e coloco-o na marmita. Aqueço o
leite para os miúdos e uma malga de cereais, corto um kiwi em pedaços e
acrescento uns frutos secos. Sinto frio.
Vou ao quarto dos meninos, acordo primeiro o mais velho,
sussurrando-lhe ao ouvido:
-
Pedro está na hora. Bom dia.
Dou-lhe um beijo, destapo-o, estimulando aquele lento
despertar. Quando volta da casa de banho já tem a roupa em cima da cama e
começa a vestir-se.
- Joãozinho,
vamos lá meu amor.
Pego no mais novo ao colo, sem que ele abra os olhos.
Tiro-lhe a fralda que está sequinha e fico muito orgulhosa do meu menino que
está a crescer. Visto-o enquanto ele choraminga e levo-os finalmente para a
cozinha.
-Hoje
preparei cereais. Vamos comer rapidamente para não nos atrasarmos.
Deixo-os a comer quanto vou fazer as camas, colocar creme na
cara e… ouço o João a chorar. Corro para a cozinha e estão os dois a discutir.
-
Vamos calçar-nos para sairmos.
São 7:30 e já estamos todos no carro. Deixo primeiro o João
na creche. Despeço-me dele com um beijo enquanto ele fica inerte no pequeno
sofá a ver televisão. Depois o Pedro.
- Até
logo meu amor. - digo
logo que paro o carro à porta da escola.
- Até
logo mãe -
responde-me, fechando a porta do carro logo de seguida.
A escola ainda não abriu, terá que ficar ao portão, “são só
dez minutos”, digo para mim mesma para acalmar o meu coração contrito. Mas há
sempre uma preocupação que me desassossega. Agora são cinquenta minutos até ao
trabalho.
Estaciono às 8:30, em ponto, e corro para o edifício
envidraçado onde passarei o dia. Só agora me lembro que nem me penteei e passo
os dedos pelo cabelo. Ligo ao Pedro, que mal atende e responde logo: - Está tudo bem. - sento-me na minha cadeira
e suspiro.
- Tem que
começar a sair de casa mais cedo, se não quiser ser chamada à atenção. - é o comentário do meu
simpático chefe.
Suspiro novamente. Ao abrir o email deparo-me com uma reunião
agendada de última hora. “Não deixei jantar” é o pensamento que me ocupa logo a
mente. Ligo à minha mãe, peço-lhe jantar
para os meus rapazes. Mando mensagem ao Zé para ir com os meninos jantar a casa
da minha mãe.
Saio do trabalho e são 20:30, chego a casa e abro a porta
muito lentamente. Escuto apenas o silêncio. O Zé está sentado no sofá.
-
Então? - -
pergunto-lhe enquanto lhe dou um beijo.
- Já
estão a dormir. Ninguém os aturava hoje de tão aborrecidos que estavam. Tens
jantar no micro-ondas é só aquecer, já separei para levares amanhã para o teu
almoço.
Vou ao quarto deles para ver os meus filhos, estou cheia de
saudades. Sinto-lhes o cheiro doce. Sinto-me demasiado ausente. Sinto frio. Pergunto-me
se valerá a pena tanto esforço e convenço-me com um “e que alternativa tenho?”
Reparo que o Pedro dorme agarrado ao mealheiro.
- Zé,
porque é que o Pedro está a dormir com o mealheiro dele?
- Para
to dar. - e
após um silêncio continua com a voz a tremer -
Diz que te vai pagar um salário para ficares com eles.
O Zé tem os olhos em lágrimas e eu a vida toda. Vou
novamente para o cadeirão contemplá-los enquanto derramo pelo rosto sinais do
meu sofrimento, desta dor por falhar, de nunca ser suficiente em lado nenhum,
esforçando-me para ser tudo em todo o lado.
Permito-me ficar ali, só um bocadinho. Tenho que ir passar a
ferro que já não tenho o que lhes vestir. Mas acabei por adormecer no cadeirão.
Acordei com o João pendurado no meu pescoço:
- Mamã…
gosto de ti.
E naquele pequeno abraço o amor de todo o mundo que tudo
suporta, tudo faz valer a pena. Sinto-lhe o calor. Que aquece o meu coração e a
minha vida. E naquele abraço é o meu filho que me conforta e ampara. E naquelas
doces palavras, a força de uma vida que se faz a cada dia, a cada luta. E
naquele pedacinho de paraíso encontro a inquietude que me faz acreditar, lutar
e mudar.
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Texto: Susana Silva
Imagem: pixabay
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