- Era
um café por favor…
- Com
certeza…
- Só
mais uma coisa, por favor, pode olhar para mim?
A senhora olhou para mim com ar quem me ia esmurrar e incrustar
a minha barba pente dois no interior da minha pele.
- E… é
só!! - acrescentei, com um
sorriso que, convenhamos estava mesmo a pedi-las.
Enquanto a senhora foi dentro do centenário estabelecimento,
levantei-me num salto e convidei o mimo que fazia de estátua, mesmo à frente da
esplanada para se sentar comigo na mesa. Ele relutante, mas suficientemente
louco, aceitou, mesmo a tempo da chegada do meu café.
- São três
euros, por favor.
Respondeu-me a senhora olhando-me nos olhos e sorrindo.
Eu estagnei surpreendido pelo preço do café. À minha
indignação a senhora respondeu prontamente:
- É 1€
pelo café e 2€ por olhar para si, hoje estamos com promoção e o sorriso é
grátis.
Soltei uma gargalhada pela resposta à altura. E acrescentei:
-
Então traga-me mais dois cafés e duas natas, é para este meu amigo e para uma
amiga que está a chegar.
Engoli o café de uma vez só, quase esfolando a língua e
pedindo autorização ocupei o lugar do mimo, mascarado de mim mesmo. Subi para o
pedestal e escrevi no quadro de ardósia que ali estava. A senhora acabava de
chegar com o pedido e eu acenei-lhe do outro lado da rua pedonal mostrando-lhe
a ardósia: “Queira sentar-se cara amiga, e fazer companhia a esse meu amigo”.
Ela soltou uma gargalhada divinal e por esta altura já, há nossa volta, se
juntavam pessoas na antevisão da cena final. Eu aproveitei para escrever na
ardósia “é sem olhar, por favor, que aqui ganho pouco.” De riso rasgado as
pessoas aplaudiram. Divertida, a minha mais recente amiga sentou-se na esplanada
e de dentro do café vem um proprietário em fúria a praguejar, ao qual a minha
mais recente amiga e heroína responde:
- Faça
as minhas contas, por favor, e pode descontar este pedido nos três meses de
salário em atraso.
Um “-
uuuuhhhh” fez-se ouvir pela crescente audiência. E o proprietário recolheu à
fortaleza.
Eu, com uma flauta na mão, aventurei-me pela música… depois
de uns sons muito desafinados toquei a única e intensa melodia que sabia:
“apita o comboio”. E eis que o meu amigo mimo (o verdadeiro) pega a minha amiga
mais recente (e agora desempregada) e inicia um comboio ao qual rapidamente se
acoplam carruagens de pessoas divertidas que sucumbem à loucura e dançam na
rua… honestamente só faltou uma morrinha para adensar o plano cinéfilo da cena.
Que loucura boa. Foi essa loucura que nos trouxe a todos
hoje, aqui, onde o meu amigo mimo (o verdadeiro) e a minha amiga (antiga
desempregada e gora pivô de telejornal) trocam alianças e juras de amor eterno.
E permitam-me que dê o mote para a primeira dança com a intensa e primordial
música, pela mesma flauta de há quatro anos... Senhores e senhoras…. “apita o
comboio”
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Texto: Susana Silva
Imagem: pixabay
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