Avançar para o conteúdo principal

A vida a questionar as certezas

Ainda da fila Sofia observava com atenção Nelson tentando reconhecer-lhe o rosto que há anos não via, que mantinha o mesmo ar jovial de sempre e lhe permitiu reconhecê-lo. Aproximando-se da mesa onde ele estava sentado, questionou-o:
– Posso fazer-te companhia?
Nelson elevou a cabeça na direção daquela voz e reconhecendo a sua amiga Sofia sorriu-lhe e assentiu confirmando a surpresa daquele encontro.
– Então como estás? – perguntou-lhe ele  com o ar radiante que ela bem memorizara.
– Estou bem, tenho só meia hora para almoço, tenho que me despachar…
Nos minutos seguintes conversaram sobre as famílias que construíram, os trabalhos que escolheram e quase se esqueceram dos vinte anos que separaram aquele dia do último em que se encontraram. Sofia sentia borboletas na barriga e um entusiasmo que não conseguia explicar. O relógio parecia andar demasiado rapidamente.
– Bem, está na minha hora – disse Sofia levantando-se.
Nelson levantou-se para se despedir da amiga. Aproximou-se dela e envolveu-a num abraço, segurando-a pela cintura com o braço direito e a nuca com a mão esquerda. Sofia sentiu as borboletas da barriga expandirem-se por todo o corpo e toldar todos os seus sentidos. Naquele instante apenas sentia o corpo de Nelson contra o seu e a sua respiração ao ouvido.
– Tenho tantas saudades tuas, rapariga. Não passa um único dia que não sonhe contigo.
Sofia não se permitia mover, permitindo que aquele abraço durasse a eternidade necessária.
– És a âncora do meu pensamento – continuou ele – és a âncora no fundo mar do meu inconsciente. Amo-te como há vinte anos.
Nelson afastou o seu corpo do de Sofia que quase desfalecia entregue aquele momento que queria perpetuar. O sorriso no rosto dele quase nem a permitiam acreditar nas palavras que ouvira. Ela encolheu os ombros enquanto os seus olhos se enchiam como uma açude de água. Já não havia nada a fazer, ambos o sentiam… mas a vida ainda iria tratar de dar voltas às certezas  que tinham.
Sofia afastou-se a correr, querendo fugir daquele momento tão feliz. Como se pode correr fugindo da felicidade? O seu telemóvel tocou e do escritório confirmaram que as reuniões da tarde haviam sido desmarcadas e, por isso, podia tirar a tarde para si. Suspirou de alívio enquanto procurava a sua carteira… sem sucesso… A carteira ficara em cima da mesa do almoço. Voltou para trás e já Nelson vinha no seu encalço… a vida estava a tratar de dar a volta às certezas de Sofia e Nelson…
----
Texto: Susana Silva (escrito para o blog páginas partilhadas)
Imagem: pixabay

Comentários