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Os livros que somos

Querida mãe, sou a menina do mar, de sobrenome lusíadas, cresço ainda em teu ventre. Conheço o caminho imperfeito do teu amor de perdição, quando sentada comias cebola crua com sal e broa e lá do alto gritavam : – Quem meteu a mão na caixa? – Tu aninhavas-te naquele labirinto de saudade tentando esquecer os jogos de raiva que se viravam contra ti, era a selva. No teu deserto sova o cântico do Homem e, naquela aparição, o sermão do fogo relembrava-te o auto da barca do inferno em que fizeste a viagem sob a embarcação do Anjo Negro de onde se clamava o Sermão de Santo António aos peixes, neste mundo cão como nós.
Dá-me um ano para mudar a tua vida, ensina-me a voar pelos telhados, dá de ti, nada menos que tudo. O sal da língua destravada grita uma mensagem do povo que no ensaio sobre a cegueira descobre a fórmula de Deus. Esses, os memoráveis, acreditam que não há coincidências. Já eu, só sei que prometo amar, até que um dia hei-de amar uma pedra e assim sei que o melhor está para vir.
Página a página. Dia a dia. Livro a livro. Vida a vida.
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Texto: Susana Silva (escrito para o blog páginas partilhadas)
Imagem: pixabay

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