Na mesa da cozinha pintavam o arco-íris numa folha de papel,
mãe e filha, toda a família ali. A menina de 4 anos, concentrada mostrava
amorosamente a língua que escapava por entre a sua boca sorridente que deixava
antever a confiança que não conseguia conter. A mãe enchia os olhos de lágrimas
a cada rabisco dos lápis de cor e lia sem parar o mote “vai ficar tudo bem” e o
seu coração estilhaçava com cada palavra. O emprego por um fio, a filha para
cuidar, a renda para pagar e as contas que não paravam de chegar, a despensa a
ficar vazia e a alma a perder as forças, a perder a fé. Pintava sem ver até que
foi chamada à atenção pela filha:
- Mãe, estás a pintar fora das linhas… Vá lá, tem de ficar
perfeito.
Nesta imperfeição da vida, neste assalto, via pela janela
grupos de pessoas que se passeavam, alheios ao que dentro de portas se
estremecia. Era medo que sentia, como nunca antes. Sabia que não estava, nem
iria ficar, tudo bem. Nas janelas da vizinhança o mesmo lema “Vai ficar tudo
bem” e ela repetia baixinho o mantra como que para, ela própria, conseguir
convencer-se disso mesmo.
- Olha mãe – diz a pequena alegremente tirando a mãe do seu
letárgico pensamento – é um sorriso colorido ao contrário.
É isso mesmo, ao contrário, pensou. Tudo ao contrário. E
agora ela, que sempre vivera conforme as suas possibilidades via as suas
possibilidades serem bem inferiores às suas necessidades. Triste fado este, o
de colorir a vida com um ardor no peito que queima o pensamento e a vida.
O telefonema do chefe ecoava na sua cabeça. Precisavam dela
na empresa, mas com quem poderia deixar a sua menina? Como poderia escolher
entre o emprego ou o cuidado da sua filha? Uma lágrima que não conseguira
conter caiu em cima da nuvem que suportava o arco-íris, e a menina, sem
levantar o rosto, sábia, pressentindo além do próprio momento, acaricia o papel
espalhando a água salgada e dizendo baixinho:
- Boa ideia mãe, até
fica mais giro…
Ao colar a folha na janela ela observa-a com atenção, cá de
dentro vê o arco-íris turvo e as cores esbatidas.
Não vai ficar tudo bem. Não está tudo bem. Não vamos ficar
todos bem. A vida está turva e a fé esbatida.
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