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estava tudo tão quieto



O silêncio da noite escondia o medo que corria nas minhas veias, ouviam lá ao longe as bombas sem cessar e eu naquele barco, escuro como breu, sentia a mão da minha mãe que me apertava até doer. Mas estava bem assim. Cada segundo parecia demorar horas e agora uma chuva miudinha escorria pelos nossos cabelos e misturava-se na nossa pele retirando dela o pó daquela terra, que era a minha, e que agora deixava, em angústia, para trás.
Ao longe viam-se umas luzinhas muito ténues que pareciam multiplicadas pela chuva que caía e que, a mim, me pareciam as estrelas que observava do telescópio que tinha no meu terraço, ao colo do meu pai que trazia para casa o trabalho de astrónomo. O meu pai… que num dia saiu do abrigo para ir buscar comida e nunca mais voltou. Queira Deus que tenha morrido.
Fecho os olhos e imagino-me na minha escola, sentada, com a minha melhor amiga ao lado, a ler um poema sobre a felicidade enquanto ouço a voz da minha mãe, que na sala ao lado ensina os meninos mais pequenos. Agora a felicidade vem na forma de um aperto que me corta a circulação da mão. Mas está bem assim…
Está tudo tão quieto que nos amedronta. Está tudo tão escuro que nos parece ver vultos onde só há escuridão. É tão grande o temor da chegada aquela terra prometida, mas é muito maior o terror de nos mantermos na terra amada. Talvez um dia volte. Mas agora, está bem assim…

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