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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2018

o encontro

Aninhada na berma do passeio sentia a chuva que caia e lhe escorria pela pele. Queria misturar-se naquele lamacento espaço e desaparecer por entre as pedras da calçada. Tudo terminara minutos antes. Perdera o homem da sua vida, o seu trabalho e o seu sonho. Com os joelhos encostados ao peito ardia num sofrimento infinito. Era o cair da noite e a luz na cidade era parca. As pessoas corriam tentando fugir entre as gotas da chuva e ela deixava-se ali, inerte. Até que um trovão assustou de tal modo um pobre homem que ele tombou em cima dela. Ela suportou o peso daquele corpo com o seu próprio corpo e elevou-o. Ao levantar os olhos ela vê um pobre e sombrio homem, muito aprumado vestia fato e chapéu preto, os óculos molhados pela chuva e uns pingos de chuva a escorrer pelo bigode. - Queira desculpar-me, minha menina. – Dizia enquanto estendia a sua mão para ajudar a levantá-la. Ela correspondeu e ali frente a frente com ele olhou-o nos olhos inquietos. - Permita que lhe ofereça um...

Esquissos autobiográficos

Sonhava com o plano A, estudou no plano B e tornou-se o plano C Sonhava   aos trinta ter um emprego com que não mais se preocupasse, ganha para pagar as contas fazendo uma gestão apertada, do que recebe, mais de metade são impostos e gastos diretos, sem subsídios, dias de férias e afins. Ainda assim gosta do que faz, e conforta-se com um encolher de ombros (digo, de vida) Sonhava viajar e conhecer o mundo, atravessou a fronteira para comprar caramelos, dirigir uma oração ao Santo, para comer uma paella que findara e que foi substituída por um bife. Nunca andou de avião, nem de mota. Não gosta de conduzir embora passe cerca de 8 a 10 horas da semana ao volante, de manhã, ao almoço e ao fim do dia pelos caminhos de Portugal. Adora cozinhar e comer, almoça no carro estacionado na berma da estrada, em menos de dez minutos e janta em menos de três. Defende o tempo em família, mas passa cerca de 10 a 12 horas por dia fora de casa, resta-lhe o beijinho até amanhã. Talhou uma...

Histórias de mães

São seis da manhã quando o despertador toca. Quase nem consigo abrir os olhos, mas a esforço levanto-me da cama. Aqueço uma chávena de café com leite e faço uma torrada, que vou comendo enquanto estendo a roupa que a máquina acabou de lavar. Aqueço o meu almoço e coloco-o na marmita. Aqueço o leite para os miúdos e uma malga de cereais, corto um kiwi em pedaços e acrescento uns frutos secos. Sinto frio. Vou ao quarto dos meninos, acordo primeiro o mais velho, sussurrando-lhe ao ouvido: - Pedro está na hora. Bom dia. Dou-lhe um beijo, destapo-o, estimulando aquele lento despertar. Quando volta da casa de banho já tem a roupa em cima da cama e começa a vestir-se. - Joãozinho, vamos lá meu amor. Pego no mais novo ao colo, sem que ele abra os olhos. Tiro-lhe a fralda que está sequinha e fico muito orgulhosa do meu menino que está a crescer. Visto-o enquanto ele choraminga e levo-os finalmente para a cozinha. - Hoje preparei cereais. Vamos comer rapidamente para não nos ...

No dia mais sofrido da tua vida sonha

No dia mais sofrido da tua vida sonha. Sonha alto. Muito alto. Tens asas enormes e a pequena ilha não é para ti. Nasceste para conquistar um pedaço de terra só teu, em que podes ser tu, com tantos outros. Agarra nessas asas e voa alto, tão alto como o teu sonho. E deixa-te dessa ideia paralisante de que “quanto maior o sonho maior a queda”. Vai, sonha alto, porque quanto mais alto o sonho maior a tua força para lutar por ele. Vai, levanta voo e grita bem alto, o mais que conseguires, precisas de sentir a força que tens em ti. Voa sem medo do que virá. Sem medo do medo que eventualmente sentirás. Esse dar-te-á o tempo que precisas. Mas não permitas que te paralise. Permite-o apenas o tempo favorável. E quando em pleno voo vierem trovoadas e tempestades, aninha-te numa gruta próxima, conforta-te, mistura as tuas lágrimas com as gotas da chuva. Mas, logo pela manhã solheira, rasga novamente os céus. Leva na algibeira apenas o e os essenciais.   O (e os) que te pesarem pelo...

Admiro

Gosto da força, da serenidade de um olhar, de um gesto singelo. Admiro a gratidão, as palmas de um ou de uma nação.  Respeito quem se ergue levanta os braços e estende as mãos.  Honro quem teme, mas tem em si a coragem e a fé.  Enobreço quem chora pela solidão do outro, e vê-se só no meio da multidão.  Admiro quem vê e sente o que os olhos querem dizer e a alma gritar ao mundo.  Admiro a voz forte que se faz ouvir no meio dos murmúrios chorosos.  Admiro quem se emociona com os feitos dos outros, quem chora de alegria e marca no seu rosto as rugas mais bonitas, as rugas da vida. ---- Texto: Susana Silva Imagem: pixabay